Quando era miúda, tenho uma vaga ideia que queria ser bailarina, cantora, médica e sim… esta é a melhor quis ser santa e como a minha mãe disse que isso era uma parvoíce, desci o patamar… e então achei que daria uma excelente freira. Sim quis ser freira, numa quarta feira, acho que na quinta mudei de ideias.
Andei num colégio misto onde as freiras eram todas à frente e uma delas pintava os lábios de cor de rosa e o cabelo de louro e eu achava isso um máximo. Chamava-se Irmã Angelita e era nossa professora de Inglês! Lá no colégio as freiras vestiam-se a civil e eu achava um máximo a vida que levavam perfeitamente misturadas na sociedade e para a sociedade, bem diferente de algumas ordens mais severas que passam a vida a rezar. Conduziam, algumas ensinavam, cozinhavam e quase que disfarçavam que eram freiras. Pareciam avosinhas todas para a frente!As nossas professoras não eram freiras, apenas algumas disciplinas eram leccionadas por elas.
Aprendi uma palavra muito pomposa para a altura que era “ solidariedade”. Numa altura em que andávamos sempre as turras com os miúdos da “ infantil” nós os “veteranos “da 4º classe achávamos que tínhamos o direito de nos apropriarmos todos os intervalos do escorrega. Tínhamos um bibe de cor diferente que nos fazia ter “ um estatuto”! Chegou lá a directora da escola um dia depois de nos apropriarmos constantemente dos baloiços da escola ( Irmã Isabel) e disse: têm que ser solidários para com os mais novos! Nunca me vou esquecer disso… e percebi que trocando por miúdos… ser solidária era perder o estatuto do bibe e deixar os “ infantis” brincar no escorrega.
Na minha turma haviam tantos rapazes como raparigas e éramos mesmo tratados como igual… os rapazes assim como nós aprenderam a fazer coisas interessantíssimas como pinturas em paninhos e croché.. o que hoje me dá ataques de riso, e vejo como num colégio de freiras se tratava da igualdade de forma bem diferente do que noutros sítios. Nós ( as miúdas) jogávamos futebol com eles e tínhamos um árbitro ( mais que comprado) a “ menina” Deolinda ( que era assim tratada carinhosamente por nunca se ter casado.. mas que no entanto tinha mais de 60 anos). Era cromíssima e sabia as regras todas…mas … usava-as todas a favor das miúdas, sempre que podia.
Um dia houve uma revolução e os rapazes pediram para que não usassem bibes no último ano ( 4º classe) e a irmã Isabel e irmã Marieta eram umas porreiras e deixaram. Foi bem montado o esquema e a sindicância masculina estava muito bem organizada. Nós não nos chateamos porque o nosso bibe rosa podia ser personalizado e tínhamos orgulho nele.
As aulas de catequese foram das melhores. Discutíamos temas interessantes e abertos a todos ( mesmo que nem sequer fossem baptizados) e um dia um colega virou-se para a irmã Isabel e disse… super assustado: o diabo existe? A irmã sorriu e disse… “existe sim, mas não como pensas, não é como te dizem…” apontou para o coração e para a cabeça e disse: está em ti se quiseres, mas tens sempre a escolha de não fazeres o mal… e de escolheres o que é o bem”.
Os anos passaram-se é um facto, mas há coisas que me recordo como hoje, sinal que ficaram em mim. Outras foram-se perdendo é certo…
Soube há pouco tempo que a irmã Isabel que nos dava as aulas de catequese, desistiu de ser freira porque as crianças mais necessitadas não pagavam no colégio e queriam que a nível superior ( muito superior) pagassem. Desistiu por não concordar e não se resignar com isso. Encheu-me de orgulho, honestamente! Adorava encontrá-la só para lhe dar um abraço. Voltou a sua antiga profissão que é ser advogada e está na Cruz Vermelha…. E sim, não pregou apenas a “solidariedade”, mas aplicou-a até a última. ( faz o que eu digo e faz o que eu faço). E numa altura onde já não há quase heróis nem heroínas, fico feliz de me ter cruzado e convivido com ela naquela escola…e mesmo sem ela o saber adoptei-a como a minha heroína.
Ps: Este post é um pouco diferente dos que costumo escrever. Mas não resisti.
3 comentários:
Cara Senhora Engenheira,
Quando li o título deste S. post foi-me impossível de apagar da lembrança uma música antiga, tocada por uma banda da zona dos Olivais, chamada In Loco, que se chamava, precisamente, Já não há heróis.
O refrão, ainda actual, era algo do género:
"Já não há heróis
Heróis que consigam
Levantar a moral
dos impérios caídos!"
Foi um momento nostálgico, sem dúvida, acompanhado de uma leitura muito agradável e, acredite-me se quiser, em jeito de resposta à sua interrogação, todos nós praticamos, nalguma fase da nossa vida, actos heróicos, mesmo que deles não tenhamos consciência.
Agora que, no geral, a situação não está famosa, ao nível das atitudes, dos comportamentos, da sinceridade, da amizade, da honradez, do respeito e de outros valores, lá isso não deixa igualmente de ser verdade.
E lá estou eu a comentar que nem um doido. É o vinho a fazer efeito, perdoe-me, sim?
Bom fim-de-semana.
Hic Hic Hurra
Caro engenheiro,
Os seus comentários são sempre bem recebidos.
Tenho uma secreta esperança de como disse ter feito um acto heróico e nunca ter dado por ela, é bom sinal. Significa que não esperava reciprocidade...
Na verdade ás vezes ( muitas vezes até) quando o fazemos algo de bom e verdadeiramente altruísta esperamos pelo menos o reconhecimento de o termos feito... ( por palavras,ou por atitudes... nem que seja um sorriso)... o que no limite...é já por si contraditório...
Heróis gratuitos nesse sentido há poucos... depois há os herois distraidos...o resto deles é basicamente um jogo social do toma lá dá cá!
No mundo em que vivemos, rodeado de hipocrisia, falta de sentimentos, egoismo, pouca sinceridade, em que cada vez mais as pessoas querem é dar-se bem seja a que custo for é muito bom encontrar pessoas assim...não há muitas, mas também já tive o prazer de encontrar algumas e tal como o vizinho gosto de acreditar que cada um de nós, em alguma fase da nossa vida, pratica um acto heróico...
Enviar um comentário